então olho minhas mãos

Sento-me a uma mesa, ninguém
parece reparar em meu cansaço:
as bocas cheias de palavras.
Como se cumprindo um costumeiro ritual,
deponho os óculos de lentes arranhadas
ao lado de um copo.

Com certo incômodo experimento meus olhos,
quanto eles envelheceram desta vez?

Então olho minhas mãos. Não são as mãos
de Mário Quintana; pousadas sobre a sórdida toalha
xadrez (inquietas talvez por uma perna de mulher),
são as culpadas mãos de um condenado
são as inocentes mãos de um condenado.

Aproximo-as do olhar, investigo-as
os punhos feixes fechados de sangue
que uma fina gilete pode num instante
romper, as horas mais sórdidas cravaram-se
sob as unhas urgentes, entre os dedos
tesos, na tortuosa linha da vida.

Não são as mãos de um pugilista, que trabalham
fechadas; nem as de um artífice,
que constroem coisas novas, vivas e úteis;
tampouco as de um chef, esse alquimista do paladar.

Lúcidos fantoches, minhas mãos têm vocação
para o vazio, frio objeto espalmado, pedra
de fluida solidez: livres, súbitas
tão mais antigas que as palavras.