um pouco de calendário
ainda paira sobre
as coisas: no cochilo
da velha amendoeira
por exemplo
alheia ao ir e vir das estações
na placidez dos móveis da sala
no descanso dos motores
e dos eletrodomésticos
na poeira
de um retrato velando
sobre o criado-mudo
um tempo que não volta mais
no cheiro da comida
que se faz para quem
há de partir

*

leia também aqui
poema do livro cartilha, disponível aqui







O mundo acabou de repente.
Só restaram este quarto
e o pequeno banheiro ao lado
convertidos em bunker.
Sou o último homem
e me inicio sozinho
com o meu corpo
nesta manhã perdida.

O telefone não toca.
Há dias não chove
porque o mundo acabou.
Os rios finalmente
pararam de correr e suspeito
que o mar também tenha
recolhido suas ondas.
A esperança dos homens
foi tolhida novamente
pela linha do horizonte.

O mundo acabou. Os tigres
invadiram as bibliotecas
me disseram. Nenhum
copista. Nenhum álbum
de fotografias.
Nenhuma árvore
pra contar história.
Mas ainda ouve-se
os pássaros lá fora.