desencontro

Há algum tempo conhecia um menino. Certa manhã fui ver o mar e lá estava ele se equilibrando entre as pedras. Viramos grandes amigos. Caminhávamos juntos pra todo canto. Nos confiávamos confidências. Ele me falou de quando enterrara seu cachorrinho de estimação, só depois admitiu que nunca tivera cãozinho nenhum. Disse-lhe que não contasse pra ninguém mas homem feito ainda tinha medo de altura e de afogar-me no mar. Um dia andávamos de mãos dadas como dois irmãos que fôssemos, ele se aborreceu ou se assustou com algo e correu desvairado. Se perdeu de mim. Imaginava-o na noite escura, com medo dos passos pesados da rua, da chuva que não cessava. O menino fugiu do vazio perigoso em que se transformara sua antiga casa. Mas ainda o carrego na fotografia de sete de setembro da escola, o reconheço nas cicatrizes que dividimos. Tempos depois encontrei-o mudado. Hoje quase não ri mais. Vive calado. Brinca solitário na areia da praia e eu não posso tirar os sapatos.
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poema do livro cartilha, disponível aqui




Um comentário:

Evas Marias e Clarices disse...

"Desencontro", parece uma biografia romanceada, ou parte dela. de qualuqer modo, um jeito moderno de escrever, enxuto. Tema cuotidiano, daí a qualidade, nua.
Parabens pelo espaço, discreto e agradável. Voltarei, para ler-te mais. Abraço!