A manhã me apanhou cedo demais.
Levanto ainda estremunhado
do meu sonho para a vida real.
O corpo
corruptível.
Com fome de tudo.

Com sede de tudo.





vingança

tarefa difícil
fazer da lágrima esgrima
do sal dos olhos dos ais
forjar uma espada samurai

e mesmo sem rima
sem a saúde dos dentes
saciar a sede de antes
comer o prato frio da vida

fevereiro de 2006








Onde teria ficado a antiga ordem
das coisas? A madureza
que era contida em cada coisa
inclusive na novidade dos corpos
no sopro guardado dos corpos
agora enterrados sob um cortejo
ensurdecido numa
esquina vazia ali além.
O soluço colhido com cuidado
do fundo do poço
pelas mãos de orvalho e capim.
Noite de estrelas contadas
com a verruga dos dedos
desejo vagalumeando cantiga.
Quantos quintais confortam saber
que as roupas secavam ao sol?
A morte ocupa os quartos
onde ontem se amava.
Bebericar tudo num copo de requeijão.
Onde teriam ficado as promessas
as indecências os desgostos
os desfalecimentos a impaciência
o insípido da saliva os ritos os (des)maios
o calor de dezembro o tamborilar
de agosto o mensurável
das casas das ruas dos postes
elétricos das árvores dos becos obscuros
das calçadas dos portões dos
telhados dos muros das praças
onde vestidos roçavam
cabelos ventavam bocas riam-se
as mãos dadas tudo tão forte
que não tem mais volta?


*

poema do livro cartilha, disponível aqui